Escrevi há algum tempo um texto destacando que a governança corporativa não é aplicável apenas às grandes empresas (aqui). Ela pode e deve ser implementada em quaisquer modelos  e tamanhos de organizações, independentemente do tipo societário, com ou sem fins lucrativos, privadas ou públicas, haja ou não a separação entre a sua propriedade e a sua gestão.

Hoje vou abordar a mesma preocupação, mas com relação à implementação do Compliance em qualquer espécie de organização, e, especialmente, nas pequenas e médias empresas.

Lembrando que o Compliance tem como principal finalidade prevenir e detectar desvios de conduta e promover o cumprimento das leis e diretrizes estabelecidas para o negócio.

Em novembro de 2020 tivemos notícias de um grave acidente entre um caminhão e um ônibus que transportava 53 trabalhadores de uma empresa têxtil no interior de São Paulo. Mais de 40 pessoas morreram nesse acidente, e ao menos 15 ficaram feridas. 

Aí você se pergunta: mas o texto é sobre Compliance, por que você está falando de um acidente rodoviário?

Porque Compliance, além da conformidade que lhe dá nome, tem a ver com risco. E esse acidente é o típico exemplo em que as partes envolvidas provavelmente ignoraram o risco e não tomaram as devidas medidas para minimizar a sua ocorrência.

Vamos aos fatos divulgados pela mídia:

O primeiro posicionamento da empresa têxtil foi que a empresa responsável pelo ônibus envolvido no acidente não foi contratada pela empresa, mas pelos próprios funcionários. Já o posicionamento da empresa proprietária do ônibus fala em falha nos freios (ainda que haja testemunho de vítimas de que o motorista do ônibus tentou realizar uma ultrapassagem em local proibido).

Claro que tudo isso deve ser apurado, mas ainda que esses argumentos se sustentem, se não há culpa, ainda haverá a responsabilidade de ambas as empresas pelo evento ocorrido.

Primeiro, mesmo que a empresa têxtil não tenha contratado o serviço, como alega, sabia que 53 de seus empregados utilizavam de um serviço de fretamento para chegar ao local de trabalho. Não poderia simplesmente achar que não tem nada a ver com isso. Deveria ter certeza que essa empresa tinha todas as condições técnicas e legais para realizar o serviço. E, para além das vidas efetivamente perdidas que não têm como se mensurar, temos de lembrar o prejuízo para o próprio negócio da empresa têxtil diante da paralisação, mesmo que eventual e parcial, das suas atividades pela perda de 53 de seus funcionários, além do abalo à própria imagem do negócio.

Segundo, todo negócio deve se preocupar em obter as licenças necessárias para sua operação. Essas licenças de funcionamento, em geral, são exigidas para garantir a segurança dos envolvidos com o negócio (colaboradores e clientes). Não se trata apenas de mera burocracia como muitos acreditam. Pois a informação que se tem é que a empresa de ônibus, no caso, não possui o registro na Artesp, tampouco autorização da ANTT para realizar o tipo de serviço de fretamento que estava realizando no momento do acidente. Tal fato, se confirmado, aumenta, sobremaneira a responsabilidade da empresa pelo ocorrido.

Sem falar que, ao que tudo indica, o acidente foi causado por uma imprudência do seu motorista. Será que a empresa orientava esse e seus outros motoristas a respeito das normas de segurança de trânsito que devem ser observadas no seu dia a dia? Ou entendia que o simples fato deles terem a CNH – Carteira Nacional de Habilitação em dia bastava para dizer que era um bom motorista e que observava as normas de trânsito? Suspeito que não.

Aliás, mesmo que a empresa tenha seguro para o acidente em questão, se comprovado que o motorista não cumpriu com as normas de trânsito, a Seguradora pode, simplesmente, negar o pagamento da indenização. Nesse caso, não é difícil de imaginar que a empresa não terá condições de manter suas atividades diante de tamanho prejuízo.

As grandes empresas que, inclusive, em geral, possuem a preocupação com o Compliance, tem como se manter na ocorrência de eventos que causem prejuízos e até aprender com isso. Os exemplos são inúmeros: Vale (rompimento da barragem de Brumadinho), Embraer (corrupção), Banco Panamericano (fraude financeira), Clube Flamengo (incêndio no Alojamento do Ninho do Urubu), só para ficar com algumas grandes empresas nacionais.

Mas isso não acontece nas pequenas e médias empresas que, na ocorrência de problemas bem menores, não só fecham suas portas como podem transformar para pior a vida do empresário. Dois outros exemplos: Boate Kiss em Santa Maria/RS (incêndio que matou 242 pessoas e feriu outras tantas) ou a Cervejaria Backer (falha na sua operação gerou a produção de cerveja contaminada, intoxicando seriamente ao menos 30 pessoas, levando ao encerramento da sua operação).

Assim, o que devemos ter claro é que todo negócio envolve riscos e ignorar esses riscos e não procurar ao menos minimizar os efeitos da sua eventual ocorrência pode não só impactar o negócio, mas simplesmente tornar a sua continuidade inviável. As pequenas e médias empresas precisam mudar a sua visão do negócio, tendo o Compliance como parte de suas competências.

Monica Bressan

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